quarta-feira, 11 de julho de 2018

A queixa humana, uma atitude insolente contra Deus

Romanos 9.19.29


Por Hernandes Dias Lopes


  Paulo trata agora de cinco verdades importantes:
  Em primeiro lugar, Deus tem o direito de fazer o que lhe apraz com suas criaturas (9.19-21). Deus é o criador, e nós somos criaturas. Deus é santo, e nós somos pecadores. Deus é soberano, e nós somos limitados. Deus é o oleiro, e nós somos o barro. Queixar-se de Deus é o cúmulo da petulância, o máximo da arrogância. Assim como o barro não pode querer colocar-se no lugar do oleiro nem questioná-lo, também não podemos colocar-nos no lugar de Deus nem pôr em xeque seu direito absoluto e inalienável de dispor das suas criaturas como lhe apraz.
  John Stott argumenta que Deus tem pleno direito de lidar com a humanidade caída conforme queira, seja de acordo com sua ira ou sua misericórdia. Deus não é apenas o Criador, é também o governador moral do universo. Em lugar algum sugere-se que Deus teria o direito de ''criar seres pecadores a fim de puni-los'', mas que ele tem o direito de ''lidar com os pecadores conforme ele queira'', perdoando-os ou punindo-os.
  Existe uma justa e natural diferença entre a vontade preceptiva de Deus e sua vontade determinadora. Era da vontade preceptiva de Deus que os judeus não crucificassem o Senhor Jesus Cristo. Eles agiram dessa forma, contrariamente ao mandamento divino, e eram portanto culpados; apesar disso, era da vontade determinadora de Deus que o Salvador fosse crucificado, pois os judeus e os soldados romanos fizeram apenas o que ''sua mão e seu conselho de antemão determinaram que fosse feito'' (At 2.23). Embora a traição de Judas contra Cristo estivesse preordenada desde a eternidade como o meio de efetuar a redenção, foi Judas, e não Deus, quem traiu a cristo. As causas históricas secundárias não são eliminadas pela causalidade divina, mas antes se tornam certas. A vontade preceptiva de Deus é a regra de conduta para nós, ou seja, sua vontade revelada nas Escrituras, enquanto a vontade determinadora é o plano de operações para si mesmo, ou seja, sua vontade secreta.
 
  Em segundo lugar, Deus tem o controle da vida do homem, e não o homem da vida de Deus (9.20-21). Paulo usa a figura do oleiro e do barro para ilustrar a autoridade de Deus sobre suas criaturas (Is 29.15,16; 64.8,9; Jr 18.1-6). William Hendriksen escreve:
Se até mesmo um oleiro tem direito, da mesma massa de barro, de fazer um vaso para honra e outro para desonra, então com certeza Deus, nosso Criador, tem direito, da mesma massa de seres humanos que por sua própria culpa precipitou-se no poço de miséria, eleger alguns para a vida eterna e permitir que os demais permaneçam no abismo da degradação.
  A autoridade de Deus sobre a criatura é maior que a do oleiro sobre o barro. O oleiro não faz seu barro; mas tanto o barro quanto o oleiro foram feitos por Deus. Vivemos numa geração homocêntrica e antropolátrica, que busca sofregamente substituir o criador pela criatura. O homem besuntado de tola soberba quer destronar a Deus e ascender a seu trono. Aquele que não passa de pó e cinza quer arvorar-se contra o Criador e colocá-lo no banco dos réus para julgá-lo. É Deus, contudo, quem está no controle de todas as coisas, e não o homem. Não é o homem quem manipula a Deus; é Deus quem molda o homem como o oleiro faz com o barro.
  Em terceiro lugar, Deus é glorificado tanto na salvação dos eleitos quanto na condenação dos réprobos (9.22,23). Os vasos de ira são os impenitentes, aqueles que se endurecem e foram endurecidos, aqueles que rejeitaram e foram rejeitados, aqueles a quem Deus suportou com paciência e em quem manifestou o poder do seu juízo.
  Os vasos de misericórdia são aqueles a quem Deus escolheu por sua graça para sobre eles derramar sua misericórdia e dar-lhes a riqueza da sua glória. John Murray é absolutamente oportuno ao alertar para o fato de que na ira divina não existe malícia, perversidade, vingança, rancor, ou amargura profanos. O tipo de ira assim caracterizada é condenada nas Escrituras, e seria uma blasfêmia atribuí-la ao próprio Deus.
  Warren Wiersbe destaca que o termo ''preparados'' em Romanos 9.22 não dá a entender que Deus tornou Faraó um ''vaso de ira''. Esse verbo é o que os gramáticos gregos chamam de voz média e indica uma ação reflexiva. Assim, a frase deve ser traduzida por ''prepararam a si mesmos para a perdição''. Deus prepara os homens para a glória (9.23), mas os pecadores se preparam para o julgamento. John Murray defende que é o próprio Deus quem prepara os vasos de ira para a perdição, porém a perdição imposta aos vasos de ira é algo para o que sua anterior condição os torna adequados. Há uma correspondência exata entre o que eles foram na vida presente e a perdição á qual estão destinados. Assim, os vasos de ira capacitam a si mesmos para a perdição; são os agentes do mérito que resulta em perdição. No entanto, somente Deus prepara para a glória.
  Em quarto lugar, Deus por sua graça nos dá o que não merecemos (9.24-26). A graça não é concedida por critério étnico, cultural ou religioso, pois Deus chama seus eleitos não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios (9.24). Mesmo vivendo sem Deus no mundo, eles nos tornou seu povo. Mesmo sendo inimigos de Deus, ele nos fez amados (9.25). Mesmo vivendo sem esperança e sem Deus no mundo, mortos nos nossos delitos e pecados, Deus nos transformou em seus filhos, membros de sua bendita família (9.26). Concordo com Cranfield quando ele diz que a presença dos gentios na igreja é o sinal e o penhor de que a esfera de rejeição de Ismael, Esaú, Faraó e dos próprios judeus incrédulos não está finalmente excluída da misericórdia de Deus.
  Em quinto lugar, Deus escolhe por sua graça para a salvação um remanescente fiel (9.27-29). A eleição da graça é para o remanescente. A salvação não é endereçada a todos os filhos de sangue de Abraão, mas aos filhos da promessa; não são os israelitas por nascimento, mas aos que são crentes pelo novo nascimento. Stott escreve: ''Apenas um remanescente seria salvo, o israel dentro de israel (9.6). Semelhantemente, conforme o versículo 29, em meio à total destruição de Sodoma e Gomorra, somente alguns seriam poupados - ou melhor, apenas Ló e suas duas filhas.
  Solano Portela, ilustre escritor evangélico presbiteriano, faz uma importante síntese acerca da doutrina da eleição, que passo aqui a mencionar. Essa gloriosa doutrina foi ensinada por Jesus (Jo 5.21; 6.65; 10.27; 15.16), explanada por Paulo (Rm 9.1-16; EF 1.4,5-11), registrada por João, Lucas, e outros (Jo 1.12,13; At 13.48), aceita pelos patriarcas da igreja, por exemplo Policarpo, Irineu e Eusébio. Foi, porém, contestada pelos ramos heréticos da igreja, dos quais o maior expoente nos primeiros séculos foi Pelágio, defensor do livre-arbítrio irrestrito, em oposição a Agostinho, que defendia e enaltecia a soberania de Deus em todas as esferas, principalmente na salvação de almas. Foi esquecida pela igreja católica, na medida em que sua formação se deu entrelaçada ao Estado, após a regência do imperador Constantino. Este esquecimento foi paralelo ao de outras doutrinas cardeais da Bíblia, sufocadas e suplantadas pelas tradições pelas conveniências da igreja, concretizando-se no humanismo pragmático de Tomás de Aquino. Reapareceu em todos os movimentos pré-Reforma que desabrocharam na Idade Média, sendo uma constante, paralelamente às outras doutrinas chaves da Bíblia, entre os valdenses (seguidores de Waldo), os huítas (seguidores de João Huss) os lolardos (seguidores de Wycliff). Lutero a reviveu na reforma do século 16, que, despertando para as doutrinas fundamentais que haviam sido mumificadas pela igreja católica, a defende e a proclama, principalmente em seu livro De servo arbítrio (A prisão do arbítrio), escrito em resposta a Erasmo de Roterdã. Constante em todos os movimentos pós-Reforma, por exemplo nos escritos e tratados de Melanchton, Zuínglio e João Knox, teve seus ensinamentos sistematizados por Calvino, que reapresenta e organiza a posição de Paulo e de Agostinho em seu tratado em seu tratado Institutas da religião cristã e em outros livros e comentários bíblicos, fundamentando a posição da igreja protestante contra os arminianos. Nessa ocasião, sofre ataques apenas de Jacobus Armínius e seus seguidores, que assumiram a posição de Pelágio, levando ao posicionamento contrário, oficial, conhecido como os Cânones de Dort (Dordrecht) - o qual resume a doutrina reformada sobre a soberania de Deus na salvação, refletindo igualmente a interpretação bíblica dessas doutrinas contidas no Catecismo de Fé Belga. Constituiu-se no posicionamento oficial de quase todas as denominações que se afirmaram após a Reforma.

Dias Lopes, Hernandes - Romanos o Evangelho segundo Paulo - Editora Hagnos - p. 333-338

terça-feira, 10 de julho de 2018

O Amilenismo e Apocalipse 20

Por Michael Horton


É verdade, como Grudem observa, que Apocalipse 20 fala não apenas de Satanás sendo preso, mas dele sendo jogado num poço sem fundo. Contudo, novamente, isso é totalmente coerente com a profecia, especialmente apocalíptica, compreender isso como uma imagem telescópica dessa ação, compreendendo tanto o período de ele estando preso (agora) quanto da consumação de seu juízo (destruição no futuro). Hebreus 2.14 fala de Satanás como tendo sido ''destruído'' por meio da morte de Cristo, e ainda, sabemos que Satanás será lançado no lago de fogo no final da História. Ele ainda ''anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar '' (1 Pe 5.8), mas isso é coerente com uma interpretação amilenarista de Apocalipse 12, em que Satanás é expulso do santuário celestial, incapaz de afetar o resultado da redenção, e no entanto, persegue a igreja. Essa interpretação enfatiza o ponto de que é o ministério no tribunal celestial que é decisivo, e o que quer que Satanás tenha permissão para fazer na terra é nada mais que a luta de um inimigo derrotado, desesperado e irado.


Grudem refere-se também a 2 Coríntios 4.4, em que é dito que ''o deus desse século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus''. Contudo, é exatamente o fato de Satanás estar preso que finalmente frustra esse reforço. No fim desta era da terra, o cego enxerga (v. 3,6). Grudem também refere-se a 1 João 5.19, em que é dito que ''o mundo inteiro jaz no Maligno''. No entanto, quando lidas junto com as muitas passagens que indicam que o reino foi inaugurado e está avançando por meio do evangelho, e que toda autoridade agora pertence a Cristo no céu e na terra, essas passagens revelam que o aprisionamento no mundo é precisamente a condição que o reino glorioso de Cristo está mudando. No presente, ele está saqueando o reino de Satanás, libertando multidões de cativos enquanto faz isso. O mundo jaz em trevas, mas viu grande Luz. Não apenas a despeito do testemunho sofredor da igreja, mas por meio desse testemunho, as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
Para os amilenaristas, a tensão ''já''/''ainda não'' não será resolvida até a volta de Cristo. Assim como a vida de Cristo foi tanto de humilhação quanto de exaltação, a igreja sofre mesmo enquanto cumpre a missão de levar o evangelho até aos confins da terra. Nem um reino pelo qual ainda estamos esperando, nem um reino que devemos concretizar, o reino de Cristo em graça é um reino que estamos mesmo agora recebendo dos céus.
Em segundo lugar, em resposta ao argumento de Grudem de que as profecias do Antigo Testamento (tais como o lobo habitar com o cordeiro) antecipam ''uma renovação grandiosa da natureza que nos leva para bem além da era atual'', podemos novamente recorrer aos princípios da interpretação profética. A linguagem apocalíptica usa imagens naturais para expressar a força dos principais pontos de virada na história da redenção. Lobos e cordeiros, serpentes e pombas, rotineiramente descrevem condições de violência e paz das nações. Além do mais, o padrão telescópico da profecia antecipa os cumprimentos penúltimo (semirrealizado) e último (totalmente realizado).
Em terceiro lugar, Grudem argumenta que Apocalipse 20 ainda deve ser futuro com base no fato de que a perseguição descrita em Apocalipse 13 ainda não aconteceu. No entanto, tenho indicado por que penso que toda esta era entre os dois adventos de Cristo pode ser identificada com as cenas em ambos os capítulos. O livro de Apocalipse nos dá imagens instantâneas de realidades simultâneas da História, não uma cronologia de acontecimentos. Exatamente como Jesus predisse em seu sermão profético, esta era é marcada por sofrimento e sucesso simultâneos.
Confesso que o desafio exegético mais difícil é a objeção final de Grudem de que aqueles que ''reviveram'' durante o período descrito em Apocalipse 20 representam as almas dos santos no céu na era atual em vez de a ressurreição dos mortos no futuro. Contudo, a passagem de fato fala daqueles que voltaram à vida como ''as almas dos decapitados por causa do testemunho de Jesus, bem como por causa da Palavra de Deus [...]'' (v. 4). Se o uso do termo grego zaõ (''vivos'') nesse caso não pode ter o significado de entrar na presença de Deus (antes da ressurreição dos mortos), então a referência explícita às almas é um problema maior. Certamente as almas dos mártires não estavam mortas e assim não poderiam ter revivido num sentido literal. Então, não faz mais sentido considerar isso como uma referência à entrada delas à presença de Deus depois de terem sido martirizadas? Não são essas pessoas as mesmas almas-mártires que clamavam por vindicação em Apocalipse 6.10?
Como as visões de João atestam, Cristo está certamente reinando no céu, mesmo enquanto há grande sofrimento e martírio de seu povo na terra. Teria sido uma fonte de grande encorajamento (o objetivo dessa série de visões) para aqueles enfrentando perseguições saber que eles estavam entre aqueles que ''reviveram e reinaram com Cristo durante mil anos'' - ou seja, durante a atual era da contínua luta da igreja de baixo (simbolizada como mil anos). Embora Grudem esteja correto em afirmar que zão (''vivo'') não significa ''entrar na presença de Deus'' em nenhuma passagem do Novo Testamento, não é inconcebível que isso seja o intencionado aqui. Se é assim, o ponto que está sendo enfatizado é que os mártires podem ser assegurados que, conquanto eles morram, eles voltarão imediatamente à vida no céu e reinarão com Cristo esperando a sua volta.

Horton, Michael - Doutrinas da Fé Cristã - Editora Cultura Cristã - p.p.  985; 986;987

segunda-feira, 9 de julho de 2018

O que você precisa saber sobre batalha espiritual

Obsessão Doentia Pelo Mundo Dos Espíritos

Por Augustus Nicodemus

   Aviões podem cair, furacões podem destruir, pessoas podem ficar doentes, tomar decisões erradas na vida, estragar seu casamento, sem que necessariamente haja demônios diretamente responsáveis por essas coisas. Vivemos num mundo caído, que geme e suporta dores debaixo do cativeiro da corrupção por causa do pecado do homem (Rm 8.18-25). Além disso, Deus também intervém na existência humana em julgamento trazendo por vezes desastres, sofrimento e dor, com o objetivo de levar os homens ao arrependimento (Jr 5.3; Ap 9.20-21; 16.8-11). Atribuir exclusivamente aos demônios os males que acometem a humanidade é uma distorção do ensino bíblico.

Nicodemus, Augustus - trecho do livro: O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual - Cultura Cristã - p 54

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